segunda-feira, 28 de março de 2016

Não é uma fatalidade!

Foto: Público




Ainda entorpecido pelos massacres de Bruxelas, o país acordou em sobressalto com a noticia da morte de 12 compatriotas numa estrada, algures em França. Confesso que me custou a acreditar. Doze de uma só vez? À medida que iam sendo conhecidos mais detalhes sobre a tragédia, mais a incredulidade se me entranhava naquela parte de mim em que procuro ser racional e querer saber a razão das coisas. Não é possivel! Não é possivel acumular tanta imprudência, tanta insatez, tanta irresponsabilidade. Pressurosas, as nossas televisões apressaram-se a servir a catastrofe em várias dozes diárias, entrevistando conhecidos, familiares e amigos das vitimas. Em quase todas elas, a sensação de uma grande fragilidade e a assunção de que se tratou de uma enorme fatalidade.
Salvo o devido respeito pela memória das vítimas e pela dor dos seus familiares, recuso em ver no acidente a marca da fatalidade. Não foi uma fatalidade! Foi a demonstração mais cabal e mais trágica dos nossos ancestrais atavismos, Foi um monumento à incúria de uns, à ganância de outros, ao desleixo da maioria. O que se passou naquela madrugada escura numa estrada de França foi a exposição nua e crua do nosso atraso enquanto povo, da total ausência de um espírito cívico, de uma consciência social inexistente. É a nossa tradicional cultura do desenrascanço, do quebrar as regras, de viver fora das normas que está tão entranhada no modo de ser português que justifica que pessoas adultas possam pensar que aquela forma de transportar passageiros seja concebível e aceitável. Para quê comprar um bilhete de expresso, de comboio ou de avião low cost, se há sempre um amigo do amigo, um primo do tio, um sobrinho de um conhecido que dá um jeito, que passa lá por casa e que recolhe o pessoal e ainda leva de borla o presunto e o garrafão e que te põe à porta?. Para quê pagar mais por um transporte autorizado se assim poupamos uns tostões, fugimos aos impostos e ainda por cima temos conversa garantida durante a viagem? Para quê contratar um motorista profissional se o rapaz que é boa pessoa faz o jeitinho por muito menos? Para quê respeitar a lotação homolgada da carrinha se com mais uns bancos colocados à má fila, se aumenta a rentabilidade do negócio clandestino? E tudo isto se sabe, tudo isto se repete, vezes e vezes sem conta, com a complacência de autoridades que não querem chatices e fecham os olhos. Houve já quem comparasse este transporte que torna as pessoas em gado com os barcos sobrelotados dos refugiados que agarrados a coletes falsos, atravessam o mediterrâneo rumo ao desespero. Aqui foram os cintos de segurança que não não havia, os lugares improvisados, o excesso de peso, o atrelado com as bagagens que também não estava calibrado nem previsto. Este modo de ser português, que por vezes nos encanta e enternece tem esta face negra e sinsitra, Não, não foi uma fatalidade! Foi crime e somos todos cúmplices.

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