segunda-feira, 31 de outubro de 2016

TripAdviser, provas cegas e o salve-se quem puder na internet

Que têm em comum as estimáveis casas de comida lisboetas que dão pelo nome de Bread4You, BA Wine Bar, Taberna Sal Grosso, Augusto de Lisboa e a Frangasqueira Nacional, com o consagrado Belcanto do chefe José Avillez? É fácil! Quem for à procura e quiser saber quais são os seis melhores restaurantes da cidade, segundo o ranking do TripAdviser (TA) no dia de hoje, depara-se com esta lista. E o Belcanto, apesar das suas duas estrelas Michelin, não está no topo.

Eu contra mim me confesso, Também consulto o TA. Sobretudo quando estou no estrangeiro ou quando visito uma região que ainda não conheço bem, quero acreditar que vou lá recolher preciosas dicas e alguma orientação. E ainda, indo mais fundo, já por diversas vezes cedi à tentação de deixar lá também a minha opinião. Só que depois olho para a lista dos lugares que conheço bem, como é o caso de Lisboa, e fico a pensar se nos outros sítios a lógica, ou a falta dela, é a mesma. E aí fico ligeiramente transtornado! É que sem querer por minimamente em causa a qualidade dos estabelecimentos que citei em cima e de cuja esmagadora maioria nunca tinha ouvido falar, rankings como este acabam por comparar o incomparável, misturam conceitos muito díspares, amalgamam segmentos irreconciliáveis e prestam-se a uma confusão sem emenda. São mesmos aqueles os melhores restaurantes de Lisboa? Para um turista gastrónomo que venha pela primeira à cidade e que se guie pela classificação do TA, e que por hipótese faça questão de percorrer os seis primeiros da lista, com que ideia fica da nossa oferta gastronómica?

Eu sei! À partida, até a mim a ideia seduz. Viva o poder popular! Viva a opinião do consumidor, livre de "interesses", descomprometida. Viva o registo daqueles que pagaram pelo seu bolso a refeição que comeram e que dão sobre ela a sua opinião. E passo por cima daquelas histórias que se ouvem de vez em quando acerca do concorrente do lado que aparece disfarçado de cliente a desancar no colega para lhe estragar a reputação. Deixo isso para lá! Cinjo-mo à pureza das opiniões honestas e isentas. Bastam estas para fazer um ranking credível? É lógico que não. É preciso muito mais que a soma das opiniões avulsas para ter uma seriação credível.

Algo parecido se passa no vinhos. Ainda recentemente um grupo de consumidores, entusiastas de uma determinada casta de origem estrangeira mas que está razoavelmente disseminada em Portugal, resolveram fazer uma prova cega pondo em confronto alguns vinhos portugueses com meia dúzia de vinhos estrangeiros. A conclusão foi arrasadora: Apesar da casta em questão ter ainda poucas décadas entre nós, os portugueses bateram toda a concorrência internacional. Daí para a conclusão fatal foi um ápice: temos os melhores vinhos do mundo! Temos?  Não gostaria de ferir o patriotismo de ninguém dizendo que este arrobo foi um tanto precipitado. Outro exemplo. Ainda hoje li no facebook os comentários sobre uma prova vertical (prova de todos os anos de colheita de uma mesma marca)  de vinhos do Douro. A marca em questão é prestigiada e os seus vinhos atingem um preço considerável no mercado. Parece que o grupo de provadores não ficou muito entusiasmado com a prova e logo um deles, proclamou alto e bom som para todo o mundo ouvir: a xxxx (nome da marca) "é uma treta"! É óbvio que se pode achar isso mas tal não transforma automaticamente o vinho em questão numa vulgaridade. Uma reputação não se desfaz assim!

Onde quero chegar com isto? Primeiro, antes que venham as pedras: toda a gente tem direito à sua opinião e de a manifestar publicamente. Cada uma delas vale tanto como a minha que também sou cliente de restaurantes e também compro e consumo vinhos. Mas o problema de hoje em dia, com a disseminação das opiniões, ampliadas pelas redes sociais, é que perdemos os filtros que anteriormente nos ajudavam a perceber o que era relevante do que não é. Na anarquia da internet, corremos o risco de tomar por igual o que não o pode ser. Se é verdade que há liberdade de expressão e essa é uma consequência da nossa vida em democracia, se é verdade que o consumidor tem sempre a última palavra na apreciação que faz de um bem, as avaliações, as críticas e a sua credibilidade não são todas iguais e aqueles que correm sempre atrás do último post correm o risco de parecer umas baratas tontas sem rumo nem tino. A liberdade  de cada um não pode fazer esquecer que a superficialidade da opinião instantânea pode fazer muito barulho mediático mas não é comparável à crítica fundamentada,
O leitor pode e deve ouvir todos mas deverá escolher com critério aqueles que procura para o orientar numa escolha conscienciosa.