segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Era assim o meu Natal


Não faço parte daquele tipo de pessoas que gostam de proclamar alto e bom som o seu desprezo pelo Natal. Para mim, o Natal é ainda uma época especial e se é verdade que à medida que avançamos na idade, as coisas se vão diluindo um pouco e a inocência há muito se foi, continuo a celebrar a festa a a manter vivas tradições que fazem parte da nossa identidade.

O Natal, para mim, remete inevitavelmente para a infância, aquele tempo absoluto que nos marcou e moldou definitivamente. A minha infância foi passada nos anos 60 no Tramagal e é daí que tenho as mais impressivas recordações do Natal. O nosso Natal era sempre vivido só a quatro, com os meus Pais e o meu irmão. Numa família conservadora e profundamente religiosa, o símbolo do Natal era evidentemente o presépio que a árvore de Natal só muito mais tarde entrou em casa por pressão de nós as crianças, certamente já contaminadas por influência exterior. Mas a verdade é que a montagem do presépio nos entusiasmava bastante. Lembro-me de ir para o pinhal com um carrinho de mão para apanhar musgo e algumas pedras para a construção da gruta natalícia. Havia evidente prazer no trabalho de montar esse cenário idílico no qual colocávamos depois as figuras das personagens depois de cuidadosamente desembrulhadas das caixas onde dormiram durante o resto do ano. Não era um presépio rico, apenas com meia dúzia de peças, incluindo a Sagrada Familia, alguns pastores e umas poucas ovelhinhas. Mas era uma representação que preenchia toda a nossa imaginação e com a qual nos entretinhamos a brincar, o que levou uma vez que tivéssemos partido o Menino Jesus para nosso desespero. Minha Mãe ensinava-nos que as nossas boas acções (ou sacrifícios, já não sei bem!) que pudéssemos praticar faziam crescer as palhinhas da manjedoura que aqueciam o Menino  e levávamos o conselho à letra.

Naquele tempo não havia ainda Pai Natal, tido como um símbolo mais ou menos pagão. Os pedidos de presentes eram feitos ao Menino Jesus a quem escrevíamos cartas, assegurando que nos portamos bem e de quem depois esperávamos com ansiedade se os nossos desejos tinham sido satisfeitos. Quando éramos muito pequenos, não tínhamos autorização para ficar acordados até à meia noite pelo que a magia da abertura dos embrulhos só acontecia no dia 25 de manhã. Já um pouco mais crescidos, começámos a ir à Missa do Galo e esse ritual passou a fazer parte da tradição natalícia. Ao contrário do que se possa pensar, devo dizer que gostava de ir à Missa do Galo. Era uma Missa festiva, com muitos cânticos e uma atmosfera especial, fruto da presença de muitas pessoas vindas de fora e que eu nunca via no resto do ano. A Missa terminava sempre com a cerimónia do beijo ao Menino Jesus e encantava-me ver as longas filas de gente à espera de se ajoelharem em frente do padre que exibia a imagem reluzente (e certamente lambuzada!) do Menino.

Indissociável do Natal eram também as tradições à mesa. Minha mãe era uma boa cozinheira e excelente doceira e nessa época fazia questão de nos tornar isso bem evidente. O prato do jantar da véspera era o bacalhau que eu na época não apreciava por aí além mas que compensava depois pela prova dos muitos doces postos na mesa. Nos fritos havia sobretudo dois tipos de coscorões, um com um formato de uma flor que o meu Pai ajudava a fritar, usando uma pequena cana recortada com dentes que ajudavam a massa a rodar no óleo e outros que a minha Mãe chamava chamava de "turcos" e que eram uma faixa de massa muito fina e quebradiça enrolada em várias voltas e envolta em açúcar e canela que eram os meus favoritos. Havia ainda as broas de mel de que já falei, um bolo imperial do qual ainda não consegui reproduzir o ponto certo, pudim de ovos, uns pequenos bolos amarelos em forma de papel chamados "pastilhas de Londres", entre muitos outros.
Uma festa para os olhos, uma alegria para os estômagos que não raro era seguida de desarranjos intestinais inevitáveis!

Era assim o meu Natal.

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