quarta-feira, 13 de abril de 2016

Dizem que é uma espécie de desporto




http://www.jn.pt/i/5123702.html

Dizem as crónicas que depois de ter caído, o lutador português levou nove (9) nove murros seguidos na cabeça, sem esboçar reacção e antes do "árbitro" interromper o combate.

Dois mil anos depois das lutas até à morte dos gladiadores nos circos romanos, ainda assistimos a estas barbaridades, agora  convenientemente enquadradas enquanto "desporto" e com isso desculpadas.

Há uma grande diferença. Tecnicamente, os lutadores, ao contrários dos seus remotos antepassados, não são escravos, são só profissionais, ou o que quer que isso queira dizer.

No resto, a multidão ululante continua sedenta de sangue, o dinheiro das apostas ainda é o motor do espectáculo e os "managers" gerem o negócio e a carreira dos pobres diabos.

Dois mil anos depois das lutas até à morte, os coliseus agora têm transmissão televisiva, publicidade nas horas mortas e patrocínios de marcas respeitáveis.

Só a desumanidade continua na mesma.

Está triste? Beba um copo! Ou dois! Ou três!



Alguém duvida que beber um copo faz bem? E se forem dois ou mesmo três? Melhor ainda! Pelo menos é esta a conclusão que se tira ao ver o trabalho de um fotógrafo brasileiro, Marcus Alberti de seu nome, com o seu projecto "3 Taças Depois".

É isso mesmo que está a pensar. Convidou muita gente, de ambos os sexos e de diversas profissões e a todas elas tirou a primeira foto assim que chegavam, com a cabeça ainda cheia do stress do trânsito e das chatices do dia e do natural acanhamento. Depois convidava-os beber um copo e lá saia mais uma chapa. E outro copo e ainda mais outro, sempre seguidos pelo respectivo instantâneo.



Pode conferir os resultados no site do autor: http://www.masmorrastudio.com/#!wine-project/cyck

Por mim, estou rendido. Vai um copo? Não convém conduzir, é claro!


terça-feira, 12 de abril de 2016

Em Abrantes, nem tudo como dantes



Confesso ter alguma dificuldade em voltar a sítios onde fui feliz. O regresso traz sempre, inevitavelmente, uma catrefada de comparações das quais é raro sairmos imunes. É o caso de Abrantes, cidade que foi a minha casa durante aqueles anos críticos em que nos tornamos no que somos mas donde saí há muito. Proporcionou-se agora, durante as mini férias da Páscoa, revisitar alguns dos lugares que preenchem a memória desses tempos de juventude e primeira idade adulta. Está bonita a cidade, reconheço, centro histórico preservado e renovado, algumas zonas conquistadas pelos peões aos automóveis, outras mudanças de sentido mas quase tudo o resto como que conservado em formol. Porquê em formol? Porque tudo parece sem vida, sem pessoas, demasiado deserta para uma terra orgulhosa do seu centenário enquanto cidade. Eu sei que o centro económico se deslocou para outras zonas, os estudantes desapareceram do casco antigo e faz-me falta a sala de visitas que foi o café Pelicano, hoje transformada em mais uma triste loja de roupa.


No que à gastronomia diz respeito, houve evolução. Abrantes cidade nunca foi, valha a verdade, uma terra especialmente famosa pela sua restauração e os habitantes locais sempre procuraram outros sítios, alguns bem perto, quando o que se pretendia era "comer bem". Já não será agora assim, a avaliar pelos comentários e referencias que vi acumularem-se sobre o Santa Isabel, o restaurante na bonita rua do mesmo nome, mesmo em pleno centro histórico e que há muito procurava visitar. Calhou agora. A casa, num prédio tradicional, desdobra-se em três salas de refeição, divididas por dois pisos. O que poderia ser uma desvantagem (e será para os funcionários obrigados ao escada acima escada abaixo), acaba por criar um certo ambiente acolhedor e familiar que uma decoração rústica não põe em causa. A cozinha é de base regional e consegue uma feliz síntese de influências ribatejana, alentejana e beirã que reflecte bem a natureza de terra de transição que Abrantes sempre foi. Da beira Tejo, chegam-nos assim os peixes do rio como o sável e a sua açorda de ovas e a lampreia no seu tempo que convivem sem conflitos de maior com o cabrito assado, com os filetes de polvo com arroz de feijão ou o bacalhau no forno e o churraquinho de porco preto com migas de alheira, entre outras opções. No geral a confecção é cuidada, as matérias primas são de qualidade e trabalhadas com sensatez e gosto apurado. As sobremesas confirmam este registo de misturas de inspirações, embora pudessem traduzir melhor a riqueza doceira da região. Não vi as tigeladas de Rio de Moinhos nem a palha de Abrantes, muito menos a excelente lampreia de ovos que se fazia no Tramagal. A carta de vinhos é razoável e com preços sensatos mas é pena a recomendação de serviço ir para vinhos do Douro em vez de se puxarem pelos excelentes vinhos do Tejo, ali bem perto produzidos no Tramagal, ou no Sardoal, por exemplo. O serviço é amável, pese embora alguma lentidão e uma ou outra desatenção. No geral, um belo restaurante que merece uma visita de quem procura qualidade.





sábado, 9 de abril de 2016

Uma aldeia francesa



Confesso-me fascinado pela série que tem estado a passar na RTP 2 Uma Aldeia Francesa (Un Village Français, no original). Tem o grave defeito de ser diária (de segunda a sexta), o que exige alguma disciplina e e ampla disponibilidade nem sempre compatíveis com as agendas carregadas, embora as possibilidades das gravações na box possam tornear em grande parte essas dificuldades.

É uma série de época, com uma notável reconstituição de decors e ambientes, cuja acção decorre durante a 2ª guerra mundial, numa aldeia perdida junto à linha de demarcação que separa a França ocupada da zona administrada pelo governo fantoche de Vichy. A série começa mesmo com a chegada do exército alemão e o inicio da ocupação e descreve a forma como isso alterou de forma dramática a vida daquelas pessoas comuns e (aparentemente) sem história. Esta identificação do espectador com aquelas personagens é um dos elementos chave do sucesso da série porque ao vermos aquelas pessoas comportarem-se e reagirem perante acontecimentos inesperados e situações que não controlam, ficamos com a impressão que poderíamos ser nós, tudo aquilo bem poderia acontecer connosco e ninguém sabe na verdade como se comportaria tanto perante as adversidades como com as oportunidades . Aqui não há propriamente heróis impolutos nem vilões definitivos, cada ser humano é um sujeito complexo, contraditório, capaz do oportunismo mais descarado ao gesto mais inesperado e altruísta. Até entre a tropa ocupante há lugar para o soldado gentil, lado a lado com a soldadesca  implacável.

Mas é na ambiguidade da "colaboração" que Uma Aldeia Francesa melhor se revela. É este um tema sempre controverso, uma velha ferida, ainda em aberto, na sociedade francesa que a série escalpeliza com acutilância, bastante ironia e até algum humor. Se é verdade que uma certa França profunda, arcaica e rural se revê naturalmente nos princípios ultra conservadores que o governo de Pétain representa, aqui e ali vão surgindo sinais de incomodidade e de distanciamento. Mas a verdade é que todos, ou quase todos, acabam, de uma forma ou de outra, por "colaborar" com o ocupante. Seja por um básico instinto de sobrevivência, seja por desprezível cupidez, oportunismo ou por mera tática de resistência, a colaboração é o eixo central da narrativa em volta do qual tudo gira. Esta duplicidade comportamental, patente tanto na vida pessoal, com o habitual cortejo de adultérios e exemplos de uma moral sexual bastante particular, como nas atitudes de cidadania perante o ocupante, tornam cada personagem num ser enigmático e imprevisível. Curiosamente, só a personagem de Marcel, o comunista, parece  fugir a este registo de ambiguidade mas a sua irredutível intransigência acaba por o tornar mais preso a contradições e incoerências, numa época em que os seus camaradas ainda desconfiavam da resistência dos exilados de Londres e tinham compreensão pelo sinistro pacto germano-soviético.

Uma Aldeia Francesa é afinal um microcosmo revelador da nossa humanidade, com todas as nossas glórias e misérias e por isso é extremamente actual e questiona-nos nas nossas certezas e valores. Boa televisão!

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Angola e os vinhos portugueses


A notícia do dia de que Angola solicitou um pedido de assistência financeira ao FMI, terá certamente um forte impacto na economia angolana e por extensão nas empresas portuguesas que actuam naquele país e em particular nas exportações de vinhos para aquele mercado.

Como é sabido, Angola foi nos últimos tempos o principal destino da vendas de vinhos portugueses ao estrangeiro e a quota de mercado que estes gozam no país atinge os 80%, um valor muito superior ao conseguido em qualquer outro destino.

A baixa significativa do preço do petróleo ocorrida nos dois últimos anos e a consequente quebra abupta das receitas daquele país lusófono fizerem contudo abalar os fundamentos de muitos negócios ao provocar uma grande escassez de divisas que permitiam o fluxo de pagamentos à compra dos bens importados. Muitas são por isso as empresas exportadoras que tiveram e têm grandes dificuldades em receber pagamentos dos fornecimentos efectuados e há muitas facturas por liquidar o que causará sérios problemas a muitos produtores que apostaram neste mercado.

Estou convencido que a intervenção do FMI agora anunciada, independentemente do montante do auxílio que será negociado, terá algumas consequências negativas a curto prazo pelo forte impacto que as habituais medidas recessivas desta instituição necessariamente acarretam, com a quebra do consumo, do investimento e a deterioração da confiança dos consumidores. Nós, portugueses, conhecemos de cor este filme e o que ele anuncia.

Mas por outro lado, e é este o ponto que gostaria de realçar, a intervenção do FMI poderá lançar em Angola um conjunto de medidas que terão efeitos muito positivos a médio e longo prazo, ao simplificar a burocracia, diversificar e racionalizar os recursos, combater a corrupção, modernizar a máquina do Estado e tornar a economia mais competitiva. Estou firmemente convencido que a médio prazo o mercado vai crescer e que surgirão novas oportunidades para os produtos portugueses consolidarem a sua presença. Se, e este "se" é crucial, se os nossos empresários souberem ou puderem resistir mais algum tempo, não abandonando o mercado e os consumidores angolanos que continuam a manifestar uma forte preferência pelos nossos vinhos. Seria uma pena, se por razões e dificuldades conjunturais, os vinhos portugueses atirassem borda fora a situação privilegiada que adquiriram naquele mercado e deixassem que outros, como os Sul-Africanos, ali ao lado, aproveitassem à mão cheia uma eventual debandada lusa. Há posições e vantagens que uma vez perdidas se tornam depois muito difíceis de recuperar.

A hora é de resistir mas o futuro tem tudo para voltar a ser risonho.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Touriga Nacional



A próxima edição da Revista de Vinhos que sairá no final da presente semana tem como tema principal um painel de prova de vinhos feitos a partir de Touriga Nacional. Trata-se, posso já adiantar, de uma prova histórica pela qualidade exibida pela generalidade dos vinhos presentes e pelas pontuações altíssimas que os vinhos melhores pontuados atingiram.
Tem ainda outras virtudes este painel. Por exemplo constatar que a Touriga Nacional consegue fazer vinhos notáveis em muitas regiões do país, provando assim a sua adaptabilidade a solos e climas diversificados. Outra ainda, é que ao contrário do que se chegou a antever há algum tempo atrás, é gratificante registar, segundo os provadores da Revista de Vinhos, que os vinhos feitos a partir das uvas Touriga Nacional não cheiram e não sabem todos ao mesmo. São vinhos ricos, complexos, e ao mesmo tempo elegantes e equilibrados. Está tudo bem, então no que se refere à Touriga? Luís Lopes, no editorial, chama no entanto a atenção para os perigos da excessiva plantação de Touriga que ocorre em algumas regiões, Não basta uma casta ser boa e fiável para ficar em regime de quase monopólio mesmo em territórios onde ela afirma as suas melhores características. A fase em que se pensava que a promoção externa dos vinhos portugueses se faria melhor debaixo do guarda chuva da Touriga já foi chão que deu uvas. A maior riqueza e originalidade dos nossos vinhos vem precisamente da sábia dosagem de vinhos  provenientes de diferentes castas indígenas que os nossos técnicos, primeiro empiricamente e agora alicerçados em estudos e pesquisas qualificadas se habituaram a lotear. A Touriga é extraordinária mas Portugal é, felizmente, muito mais que a Touriga!

O escândalo das offshores



No final do século XVIII, nas vésperas da Revolução Francesa, a sociedade estava divida em três estratos, legalmente constituídos. Os dois primeiros, clero e nobreza, detentores da esmagadora maioria dos bem imobiliários do Reino, estavam isentos de taxas e impostos. Estes incidiam unicamente sobre aquilo que se designava na altura por "terceiro estado", o povo, para simplificar, Tínhamos portanto uma sociedade em que os mais poderosos não pagavam impostos e em que o grosso das receitas do Estado provinham daqueles que trabalhavam. Foi este sistema íniquo que a Revolução Francesa, a Independência dos EUA e as restantes revoluções liberais do século XIX vieram por cobro. O princípio das sociedades democráticas do nosso tempo é resumido naquela frase que inflamou os ânimos dos pais fundadores da América: "No taxation without representation".

Ora o escândalo recentemente revelado sobre os chamados "Panama papers" mostra que afinal as coisas não são bem assim. Tal como então, os que trabalham continuam a pagar impostos. E tal como então, os impostos que pagamos são manifestamente insuficientes para corresponder às necessidades de um Estado cada vez mais complexo e daí a acumulação dos tais défices crónicos de que temos os ouvidos cheios. O que fica claro com este escândalo é que seja qual for o motivo (criminoso ou legal) que leva pessoas e empresas a colocar dinheiro, muito dinheiro, montanhas de dinheiro, nos offshores, o resultado é sempre o mesmo: esse dinheiro foge à taxação, está depositado em paraisos fiscais, não paga impostos! E como são os mais ricos e poderosos, governantes, empresários, desportistas famosos, gente do espectáculo, aristrocratas ou novos ricos que o fazem,como são estes os únicos que têm acesso as estes esquemas de fugas de capitais, temos aqui a repetição descarada das mesmas práticas viciosas que as nossas sociedades democráticas pretenderam abolir.

Voltámos então ao princípio. Voltámos aos tempos em que temos que nos indignar por viver numa sociedade em que a maioria não tem como fugir e uns privilegiados arranjam sempre maneira de escapar. Voltámos aos tempos em que, se calhar, não basta só a indignação.