quinta-feira, 2 de junho de 2016

Pão nosso que estais na mesa!


Como quase todos os portugueses gosto muito de pão. Acho mesmo que temos o culto do pão, ou não estivéssemos inseridos na zona de influência da chamada dieta mediterrânica onde este assumiu um papel de relevo na alimentação das populações desde a descoberta da agricultura há 10 mil anos atrás.

Apesar disso, é com alguma tristeza que constato que nem sempre o pão que nos chega à mesa merece elogios. Por um lado, acho que a maioria dos consumidores é hoje pouco exigente e habituou-se a comer qualquer coisa que se assemelhe com pão. É ver aquelas carcaças moles por fora e emborrachadas por dentro ou aqueles pães cujo aspecto exterior e capa estaladiça esconde uma massa mal distribuída, deficientemente trabalhada e cheia de buracos. Digam-me lá como se pode fazer uma sandes ou uma torrada em condições com uma fatia de pão com aquelas crateras? E como se pode dizer que se gosta de pão, quando a primeira coisa que se pede ao comprá-lo é que o fatiem todinho logo ali na loja? Como fica a fatia com algumas horas a secar ao ar?

Mas se a procura é pouco exigente, a oferta, apesar de cada vez mais abundante, deixa também muito a desejar. Eu sei que é moda agora ter padarias, perdão, boutiques de pão, em qualquer esquina. E sei também que, certamente para justificar os preços inflacionados que por aí se veem, se convencionou ser moderno misturar à farinha dos cereais uma panóplia de ingredientes que ao pão dizem pouco e acrescentam quase nada. O crime de lesa pão é contudo a generalização da massa congelada "pronta a cozer" que massifica a oferta numa mediocridade confrangedora com prazo de validade limitada a um par de horas. Brrr!

Tenho a sorte de ter casa na zona saloia, onde para alem do acesso ao melhor peixe da nossa costa tenho possibilidades de comparar pão de qualidade. Por ali ainda abundam os moinhos de vento, alguns ainda a moer de forma tradicional, e mãos sábias e pacientes no trabalho da massa. Mas também não estou livre de enganos. Certamente para corresponder a alguma procura pouco esclarecida, já vejo anunciados aqui e ali essa praga nacional do"pão alentejano" que de alentejano não tem nada tirando a imitação grotesca de daquele formato reconhecido, Aberto o dito, a ausência dos aromas pungentes a fermento, a massa mole e leve em vez de densa e pesada, desmontam logo a aldrabice. O pão alentejano merecia mais respeito e com tanto e tão bom pão saloio por ali, não havia (mesmo) necessidade.