quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Vinho do Porto: Tawny ou Vintage?



Luis Lopes, no editorial da Revista de Vinhos deste mês, discorre sobre o vinho do Porto e fala da velha dicotomia entre os vintage e os tawnies velhos. Para quem não está dentro do assunto, estamos a falar de duas categorias superiores de Portos, sendo que, simplificando, os vintage são vinhos de qualidade superior, oriundos de uma só colheita e que são engarrafados muito cedo, enquanto que os tawnies são resultado de um lote de vinhos de vários anos que envelhecem lentamente em barricas ao longo dos anos e que só pouco antes da colocação no mercado são engarrafados. Daqui resultam vinhos muito diferentes, embora ambos fascinantes e misteriosos.

Costuma dizer-se, com alguma razão, que o vintage é obra da natureza e o tawny é obra do homem.
Apesar das diferenças, estes dois estilos têm, na minha opinião, uma particularidade em comum. Só atingem a sua plenitude com alguma idade. Sobre os tawnies novos nem vale a pena perder muito tempo. Até pelo preço que chegam ao mercado e os vemos expostos nas prateleiras dos supermercados, é fácil chegar à conclusão que aquela cor aloirada não pode resultar do envelhecimento natural e essa coisa da galinha gorda por pouco dinheiro é uma impossibilidade prática. No que se refere aos Porto vintage novos, reconheço que a situação é diferente porque estamos a falar de vinhos de gama superior e também porque há consumidores que gostam deles novos e pujantes, carregados de cor e de fruta. Em tempos houve uma moda, sobretudo nos EUA, que achavam os novos vintage como a companhia ideal para um charuto, Não partilho inteiramente esta opinião mas entendo o conceito.

Seja como for, nada se compara ao prazer de experimentar um vinho do Porto de qualidade, sujeito à prova do tempo. Quem já teve a fortuna de provar Portos velhos, sabe que estou a falar dos melhores vinhos fortificados do mundo. Provados ligeiramente refrescados (nunca à temperatura ambiente) eles conseguem mostrar o melhor das suas virtudes.  E tendo tido oportunidade, por razões de oficio e de circunstância, de ter provado tanto velhos vintage como tawnies envelhecidos, fui desenvolvendo com o tempo uma preferência que hoje é clara no meu espírito e que aqui assumo.

Para mim, o Porto vintage tem sobretudo um problema de ordem pratica. Como o vinho esteve muito tempo encerrado na garrafa de vidro escuro, sem contacto com o oxigénio, assim que se abre uma garrafa e se enceta aquele cerimonial obrigatório da decantação,começa um processo de oxidação, resultando que ao fim de umas horas o vinho começa a perder qualidades, primeiro os aromas e depois mesmo alguns dos sabores mais interessantes. O Vintage é por isso um vinho cerimonioso que requer um grupo de convivas mais ou menos vasto que consiga despachar uma garrafa no final de um jantar. Outro tanto não acontece com os velhos tawnies ou com os colheitas que são uns tawnies envelhecidos em barricas mas oriundos de um só ano. Como passaram longos anos em contacto com a madeira, desenvolveram um processo lento de oxidação natural que vai clareando cor e desenvolver aromas intensos e vibrantes a torrefacção, frutos secos, casca de laranja, mel, entre outros. A vantagem pratica e não negligenciável é que posso ir bebendo um copo por dia sem significativa alteração das suas qualidades.

Acresce ainda um outro factor a que dou algum relevo. Na tradição inglesa o vintage bebe-se a acompanhar queijo stilton. E a verdade é que o Porto vintage e aquele queijo pungente e musculado é um match feito no céu. Ou com qualquer outro queijo azul, por exemplo. Na tradição portuguesa, em que o vinho doce se bebe a acompanhar a sobremesa, resulta melhor o tawny envelhecido, sobretudo com doces como as tartes de amendoa, de maçã, ou a maior parte de bolos de fatia. No caso de doces com ovos, acho a combinação mais dificil e aí geralmente vou para outra combinação que não carregue o açúcar.

Mas o maior prazer que se pode tirar de um velho tawny é bebê-lo mesmo sem comida! É um final de noite extraordinário, aquele momento em que já saciado o estômago e o espírito nos abandonamos na doce lazeira da conversa interminável entre amigos, sem pressas nem amanhãs. É um vinho que dura pela madrugada fora, que resiste horas no copo, muito para além termos sorvido a última gota, em que os aromas perenes nos ficam a envolver num diálogo vivo e interminável. Puro prazer!

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